Desde que comecei a frequentar as sessões da Câmara Municipal de Nepomuceno, tenho me perguntado porque nem o próprio legislativo segue as leis deste País, sobretudo a Constituição. Nossa Constituição é muito clara em definir o Brasil como um país laico, ou seja, é garantido por lei a liberdade de todos e a liberdade de cada um, simultaneamente, separando a sociedade civil das religiões, não sendo permitido ao Estado exercer poder religioso nem as igrejas poder político.

A laicidade garante a todo indivíduo, em seu domínio privado, o direito de adotar ou mudar de convicção religiosa e não adotar nenhuma. Existe distinção entre o que é área pública e o que é área privada, sendo nesta última onde se exerce a individualidade de pensamento, consciência, convicção. Sendo assim, ninguém pode impor suas crenças aos outros e nem o Estado pode intervir neste direito individual e em suas formas de organização, como igrejas ou cultos. Além disto, o Estado não pode preferir uma crença em detrimento de outra. Desta forma, a laicidade do Estado é a garantia máxima de coexistência entre todas as convicções no espaço público.

Ficam então as perguntas: por que existe um crucifixo na parede da Câmara? Por que em toda sessão o Presidente tem que invocar as bênçãos divinas? Por que em toda sessão algum vereador tem que ler um trecho do Evangelho? Por que em toda manifestação de pesar tem que ser usada a frase “deus, em sua infinita bondade”?

Exceto pelo caráter hipócrita de querer demonstrar que são pessoas tementes a deus, transmitindo a ideia de bondade, honestidade e altruísmo, estas ações são inconstitucionais, além de preconceituosas. Inconstitucionais por motivos óbvios e preconceituosas por preferir uma forma de crença em detrimento de outras, que podem ser consideradas inferiores por serem preteridas por formadores de opinião. Por exemplo, o crucifixo pode constranger um islamita ou um judeu, mesmo tendo sido Jesus um judeu. Pode constranger até mesmo um evangélico neopentecostal que, mesmo sendo cristão, não adota culto de imagens, considerando idolatria.

O Brasil é um país formado de migrantes de todas as partes do mundo e isto fez com que o brasileiro se tornasse o povo com o maior número de religiões coexistentes. Segundo o senso de 2000 do IBGE, o Espiritismo é a religião com o maior número de adeptos, seguida pela Umbanda e Candomblé (ressalta-se que as religiões cristãs foram separadas em católicas e evangélicas). Mas as diferenças não são grandes, existe um equilíbrio entre elas. Sendo, então, o Brasil um país com tamanha diversidade de crenças, por que preferir uma? Isto sem falar das pessoas que não professam nenhuma religião, os ateus e agnósticos. Por ser uma democracia, dita plena, no domínio público todas as manifestações do domínio particular devem coexistir de forma pacífica e com igualdade de condições. Das duas uma, ou todas as formas de manifestações religiosas são feitas nos espaços públicos ou nenhuma. É muito mais fácil e mais respeitoso que nenhuma forma religiosa seja manifestada nas áreas comuns a todos cidadãos, mas podemos imaginar, até mesmo como forma de divulgação cultural, e não religiosa, um modelo que permita que todas as crenças sejam mostradas em público, mas com igualdade e sem preconceitos. Entretanto, esta tarefa não deve ser fácil, pois boa parte dos religiosos são preconceituosos com outras religiões, como torcidas rivais.

Particularmente, eu gostaria de ver nos espaços públicos, notadamente nas sessões da Câmara Municipal, manifestações de várias religiões, até mesmo para estimular a tolerância, coisa que está diminuindo até mesmo entre cristãos de correntes diferentes. Assim, fica a sugestão de que cada sessão seja dedicada a uma determinada religião e também aos ateus, quando nenhuma manifestação religiosas ocorreria, podendo ser trocada por uma breve discussão científica. Simbolismos e leituras específicas de várias religiões podem ser feitas com uma profusão de temas que permite que não haja repetição por décadas. Disponibilizo, em texto separado, uma relação de leituras que podem ser feitas nas sessões, tanto de livros sagrados para as religiões que possuem algum, quanto de textos da tradição oral para aquelas religiões sem um livro sagrado específico.

Por fim, acredito não ser necessário que haja manifestação do Ministério Público sobre este assunto, pois é notória a inconstitucionalidade dos ritos religiosos que ocorrem nas repartições públicas. Basta que se assuma que ninguém precisa demonstrar fé em alguma coisa para ser considerado cidadão de respeito e que suas ações públicas devem ser suficientes para esta demonstração. A menos, é claro, que as ações públicas sejam tão estúpidas ou ilegais que se faz necessário a hipocrisia conveniente de demonstração de temor a alguma divindade.

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