Hoje em dia é comum ouvir pessoas nas grandes cidades dizendo que querem ir para cidades menores ou mesmo pequenas comunidades nas áreas rurais. O que leva pessoas com todo o suposto conforto da moderna civilização a desejarem isto? Mas, por que não seguem este desejo? É, de fato, fácil a vida na moderna e tecnológica civilização, como somos doutrinados a acreditar pela mídia? Que outros fatores podem motivar pessoas com elevados graus de instrução a desejarem vidas mais simples? Será o trânsito? As contas em profusão, como telefones, condomínios, escolas, luz, água, impostos, pedágios, que deveriam servir para facilitar nossas vidas, mas que complicaram sobremaneira? A vida solitária no meio de milhões de outras pessoas? A falta de alimentos para o “EU”, como um “bom dia” sincero do vizinho? Eu não sei exatamente o que provoca este movimento, mas no meu caso a resposta é bem mais simples, acho.

Desde muito pequeno, fui doutrinado, através de lavagem cerebral mesmo, a acreditar que quem não estuda puxa carroça quando cresce. Ouvia, com frequência, palavras como:

— Menino, pare de jogar bola e vai estudar se você não quer puxar carroça.
— Quem não sabe datilografia acaba no cabo da enxada.
— Quem não sabe ler tem que raspar bosta de boi.
— Larga isso aí que é trabalho de pobre.

E por aí vai. Mas, também fui doutrinado a acreditar na honestidade, na retidão de caráter, na coerência de ideias, que hipocrisia era uma coisa ruim, que não deveríamos fazer ao outro o que não queremos que nos façam. Até aí, tudo bem, até o momento em que se começa a comparar as palavras com as atitudes das pessoas, notadamente de familiares, o nosso grande universo, afinal, o mundo é somente aquilo que podemos ver, naquele momento, claro! Quando deixamos de ser meros observadores do mundo da Física Clássica e passamos a ser observadores do mundo quântico, ou seja, quando deixamos de ser absolutamente passivos em nossas percepções do mundo e passamos a alterar este mundo com nossas próprias observações, o mundo desmorona. Exatamente como na quântica, quando observamos um evento nós o destruímos, ele deixa de ser aquilo que acabamos de ver.

A partir do momento em que comecei a comparar o que eu observava com o que eu aprendi e vi que não era a mesma coisa, parti para o confronto ou, em especial, o questionamento do outro sobre porque se fazia diferente do que havia me falado. Então, o mundo desabou na minha cabeça, junto com chinelos, cintos, ofensas e, mais tarde, com os isolamentos rotineiros daqueles que perturbam a ordem vigente. Assim, tentei aprender a me enquadrar no mundo do “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”. Pelo visto, fracassei.

O exemplo mais marcante em minha vida, que sempre uso como exemplo nas conversas de botequim, é o fato de minha mãe sempre arrumar tudo para meu pai, naquele comum universo machista do patriarcado vigente, até o prato de comida minha mãe arrumava, incluindo fatiar a banana. Esta imagem nunca saiu de minha cabeça! Como poderia um homem que ditava regras, que dizia que temos que fazer isto ou aquilo, que temos que ser fortes, que homem não chora, que se deve fazer a obrigação sem reclamar, etc. não ser capaz de arrumar a própria comida, nem o próprio prato? Com isto, tornei-me um eterno insatisfeito por não ser capaz de verticalizar todo o processo produtivo, eu me sentia um vagabundo incompetente ao comer um pão que eu não tinha sido capaz de fazer. Quando fui capaz de fazer o pão, fiquei frustrado por não ter sido eu a produzir a farinha nem ter plantado o trigo.

Isto também aconteceu na minha vida profissional. Eu comecei como programador de computador, um nível que podemos dizer mais alto nesta cadeia de T.I. (Tecnologia da Informação), afinal, usava-se praticamente só o cérebro, o que é trabalho de gente, pois quem faz força é peão. Mas isto não satisfazia, aí precisava ligar computadores com outros computadores, fui “descendo” de nível até ir para infraestrutura de redes, chegando a passar cabos. No universo de T.I., desconheço área que eu não tenha passado, pois eu achava que eu tinha que saber fazer aquilo que eu mandaria outro fazer. Isto me tornou um obcecado pelo conhecimento, pela atividade e, por fim, transformou-me num zumbi imbecilizado incapaz de fazer uma simples reunião para decidir sobre um projeto qualquer. Na empresa, não era raro eu mandar um funcionário sair do computador para eu fazer o que deveria fazer, sem paciência para esperar o tempo próprio da situação; passei a desejar controle absoluto. Qualquer pessoa pode imaginar a que isto leva.

Outro episódio que sempre comento é quando cheguei em casa depois de mais um dia de trabalho na área de T.I. e fiquei olhando para meu filho mais velho, que já deveria estar na casa dos 18 anos. Aquela visão mais detalhada e concentrada me incomodou, pois ali tinha um homem dentro de minha casa e que eu não sabia quem era. Definitivamente havia um homem desconhecido em minha casa, alguém que brotara do nada sem a minha menor participação. Aliás, pior, minha participação tinha sido desastrosa na formação daquele homem estranho. Meditei mais um pouco e percebi que era ele o menino que eu vi nascer quando eu tinha apenas 17 anos, troquei fraldas, curei o umbigo (sim, fui eu mesmo que cuidei do umbigo dele), vi dar os primeiros passos, ouvi as primeiras palavras e, de repente, nunca mais vi mais nada, fui abduzido por uma nave sistema que me levou para mundos distantes daquele. E, quando retornei, o menino era homem, como se eu tivesse viajado em velocidades comparáveis à da luz, quando o tempo não passa para o viajante, mas passa mais rápido para quem fica. Simplesmente eu não vi meu filho mais velho crescer!

Mas, não foi só o estresse final referente ao trabalho que me fez resolver ter uma vida mais simples. Esse mesmo defeito obsessivo me fez querer ser capaz de produzir meu próprio alimento, eu não admitia que alguém que comesse não fosse capaz de plantar sua alface, matar sua galinha, colher seu feijão. Não bastasse ser capaz de produzir o alimento, eu não poderia usar insumos externos, eu deveria ser capaz de manter controle total. Como numa empresa que não terceiriza nenhuma de suas atividades. Isto me levou a buscar uma agricultura agroecológica.

Assim, cheguei à roça.

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