As referências ou comparações da coletividade humana com rebanhos é extensa, sejam em textos acadêmicos, sejam em botecos da vida ou até mesmo na arte, especialmente a música. Vida de gado, e hoje mais claramente, e tecnologicamente, marcado.

Do ponto de vista de um pecuarista bovino, por exemplo, o rebanho humano é invejável, afinal, o dono do rebanho humano não precisa fazer absolutamente nada, desde o nascimento até a morte ou abate. Nos rebanhos bovinos é necessário tratar desde o primeiro momento de um bezerro, tratando seu umbigo e garantindo que ele mame o colostro, essencial para a saúde. É necessário fazer pastos, desmatar, reformar, plantar para fazer silagens durante o inverno, fazer e reparar cercas, currais, vacinações, tratar bernes e carrapatos, vermifugar, fora as questões como melhorias genéticas, cruzamentos, escolha de reprodutores. Enfim, é muito trabalho para garantir o churrasco do final de semana.

Já o gado humano faz tudo isto sozinho. Ele mesmo trata o umbigo de suas crias, amamenta ou compra leite industrializado de grandes corporações de propriedade dos mesmos donos do rebanho, ou seja, o pecuarista humano lucra desde o nascimento de um bezerrinho, digo, bebezinho; ao contrário do pecuarista bovino que só lucra no abate. Esse gado humano produz seu próprio pasto, suas próprias vacinações e vermifugações, suas cercas, currais e até mesmo sua própria suplementação alimentar, garantindo um animal produtivo, muito produtivo. Ah, claro, produz suas próprias carroças. Fico imaginando a alegria de um homem antigo das roças usando um carro de boi que tenha sido feito por seus próprios bois, tal como hoje em dia um boizinho humano prepara sua própria carroça para dar lucro ao pecuarista sob a justificativa de que sem a carroça ele não ganha fubá e sal no cocho.

Tenho um vizinho que tem uns bois no pasto, bem tratados. Outros vizinhos sempre perguntam para ele o que faz para que seus bois estejam sempre gordinhos, no que responde: “dou cinquenta centavos para cada um e eles comem o que querem por aí”. Mal sabe ele que sua ironia é a mais pura verdade no que se refere ao rebanho humano. Os pecuaristas humanos dão algum dinheiro para o gado, mais para uns, menos para outros de acordo com que os pecuaristas chamam de mérito. Mérito deve ser um índice zootécnico associado ao prazer do pecuarista, mas os boizinhos humanos acham que esse índice é de acordo com sua capacidade individual, porque ele é melhor que o outro.

E nessa batida o gado humano continua por aí no pasto, cagando e andando, como faz muito bem todo e qualquer boi que vira churrasco. Nós podemos não nos transformar em churrasco de carne, mas alimentamos com muita energia seres que são “pecuaristas parasitas”. O pior é que a grande maioria do rebanho humano prefere assim por puro comodismo, submissão. Fomos doutrinados a achar que ser boi fujão, um rebelde contra esse sistema, é ruim e pode zangar nosso pecuarista, aí ficamos sem nosso fubá no cocho. O problema é que tem boizinho que prefere ir lá e fechar as cercas, currais e ainda ir até o pecuarista para falar que tem boi fujão, na esperança de conseguir um lugar melhor no curral. Só tem um jeito do boi submisso fugir, tal como na pecuária bovina, quando uma vaca do vizinho entra no cio, aí ele arrebenta a cerca, mas depois volta manso pro seu cocho de sal. Está na hora de arrebentarmos as cercas, currais e silos; está na hora do pecuarista preparar seu próprio pasto.

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