Tem sido comum os relatos de pessoas com distúrbios sérios de autoimagem que geram problemas graves de saúde, eventualmente a morte. Normalmente esses distúrbios começam com a pessoa procurando ajustar seu físico às expectativas alheias, para ficarem parecidas com o que a mídia propaga como padrão de beleza. Entretanto, quando o distúrbio começa a ficar sério, a pessoa se vê como totalmente diferente do que realmente é, normalmente pessoas esqueléticas se enxergam como obesas, com isso param de comer e definham. Ou seja, sua imagem mental não espelha a realidade, um mal cada vez maior nessa sociedade do desejo do supérfluo. Apesar de ser um distúrbio individual, tem sua causa ou fator desencadeador no social.

Mas o distúrbio de autoimagem não se dá apenas em indivíduos narcisistas, se dá de forma mais comum e até mesmo aceitável nas pessoas aparentemente saudáveis que desejam apenas aparentar o que não são. Na minha infância no interior de Minas, era comum eu ouvir comentários, fofocas mesmo, da seguinte forma: “Fulano desfila no calçadão com roupas caras, compradas no crediário, mas a geladeira está vazia”. Ou: “O sujeito come mortadela e arrota caviar”. Isto demonstra, além de inveja, que as pessoas preferem parecer do que ser. Mas, o que isto tem a ver com fascismo? Calma, mais alguns exemplos, só que recentes.

Hoje, em 2018, nesse auge das manifestações de ódio pelos diferentes, ainda percebemos demais esses distúrbios da autoimagem. Nas zonas rurais do interior de Minas também é visível esse comportamento, especialmente agora com as propagandas sobre o agronegócio, o “Somos Agro”. Nada mais comum do que ver pequenos sitiantes se achando latifundiários pecuaristas exportadores de proteína animal. Tem muito, mas muito produtor com um pedaço de uns 30 a 40 hectares de terra, com cercas caindo aos pedaços, pasto raspado, umas 30 cabeças de bois mestiços, daqueles que só vão pro abate com, pelo menos, cinco anos, casa do bisavô que só tem luz por conta do programa “Luz para Todos”, um fusca ou brasília velha para não agarrar no barro, mas que se acha o quarto elemento na mesa de reunião de Maggi, Caiado e Kátia Abreu. E o pior é que esse sitiante, que se juntasse com seus pares teria realmente a força do campo, prefere desprezar seus iguais, até mesmo humilhar em nome da aparência.

E tem outros pequenos produtores, que se acham ainda mais espertos e superiores, capazes de proezas interessantes para aparentarem homens do agronegócio dirigindo caminhonetes 4×4 e contratando alguns peões na base do trabalho em troca de comida, abrigo e cachaça. Esses homens de negócio pegam dinheiro a juros subsidiados para comprarem carros (Pronaf), compram gado com empréstimo de cooperativa financeira a juros muito baixos, emprestam para outros a juros abusivos (agiotagem) usando o próprio gado como lastro para garantir o empréstimo na cooperativa. Com isso, além de se sentirem poderosos pecuaristas, sentem-se homens do mercado financeiro, verdadeiros banqueiros convidados para a próxima reunião no Rockfeller Center de Nova Iorque.

São esses anoréxicos sociais, intelectualmente desnutridos, mentalmente esqueléticos que se acham o suprassumo da sociedade e que desejam que seus vizinhos normais sejam dependentes deles, numa cadeia alimentar da mendicância, esperando que as migalhas mais limpas caiam em seus pratos antes de deixarem o resto para os inferiores. E muitos reclamam que anda faltando mão-de-obra (escrava) na roça, porque “esses vagabundos preferem bolsa-família que trabalhar para mim”. Repetem discursos exclusivistas como se fossem mantras, mas não entendem o que estão dizendo. São conservadores, retrógrados, e se baseiam em valores morais que os colocam em posições de benfeitores, enquanto os demais são considerados vagabundos se não trabalham para eles ou são ótimos funcionários se esses aceitaram as condições sub-humanas de trabalho. Como ninguém nasceu para ser escravo, a maioria das pessoas não trabalha mais para esses “homens de negócios”, daí nasce o ódio pelos “vagabundos”. Esses são os fascistas rurais. Outras áreas também têm seus “esquizo-fascistas”, como aquelas tias que fazem doces artesanais, os queijeiros artesanais ou mesmo alguns artesãos que se consideram verdadeiros industriais, gigantes da produção nacional, prontos para cargos na Fiesp, Fiemg ou coisas do tipo.

O mesmo ocorre de forma generalizada em nossa sociedade, as pessoas com distúrbios de autoimagem, que se acham superiores, estão cada vez mais iradas por conta de encontrarem resistência contra essa “superioridade”. Por isso temos pobres de direita, são pobres que se acham ricos e que não querem encontrar pobres assumidos no mercado, no aeroporto, no banco ou dirigindo seu carro popular zero na mesma estrada. E como esse comportamento não é racional, não há argumentos nem ideias a serem discutidos, sua visão de mundo é manifestada de forma estúpida, covarde e violenta, afinal a violência é uma manifestação da ignorância. São pessoas que acham que matando e atirando conseguirão convencer alguém de suas fantasias esquisitas, esquizofrênicas mesmo.

Daí nasce o fascismo, uma esquizofrenia social, quando um grupo se percebe falsamente como não é realmente, quando, tal como um esquizofrênico, acredita piamente que suas visões são reais. Também da mesma forma que um doente psiquiátrico, um fascista torna-se violento para demonstrar que está certo, que não pode ser questionado por ser ele um superior. Um exemplo claro dessa deturpação esquizofrênica é um fascista que acha que qualquer pessoa que recebe bolsa-família é um vagabundo que deve ser eliminado, não consegue ver ali um ser humano em situação de vulnerabilidade e em sofrimento, afinal, se é vulnerável é porque é fraco, portanto inferior e deve ser morto. Mas vai semanalmente ao culto cristão para falar em amor ao próximo e alívio do sofrimento alheio. O mesmo vale para qualquer pessoa que tenha comportamento ou valores diferentes do esquizofrênico/fascista.

Como resolver? Décadas atrás, dava-se remédios “sossega-leão” para esquizofrênicos, mas não resolvia o problema, muitas vezes, mesmo medicado, o doente tinha ataques de fúria e matava familiares e amigos; embora, normalmente, o fim de um esquizofrênico era o suicídio. No caso dos fascistas de hoje, também não vejo solução, apenas contenção, como funcionou até hoje, ou seja, uma contenção social baseada em leis que impedem a violência em último grau, apesar dela acontecer diariamente como disse acima. Portanto, a meu ver, infelizmente teremos uma grave crise desse doente social, que é um grupo que não enxerga a realidade e não raciocina, exatamente como um esquizofrênico. Não necessitamos de antropólogos ou sociólogos, mas de psiquiatras sociais. Ou talvez essa catástrofe social seja apenas uma simples manifestação natural de grupos arrebanhados que crescem acima de um certo limite, como no caso da experiência com ratos que, inicialmente, vivem pacificamente em grupos pequenos, mas que avançam até a situação de canibalismo quando o grupo cresce. De qualquer forma, previnam-se, os esquizofrênicos estão à solta em surtos psicóticos, alucinações megalomaníacas e mitomaníacas, sem remédios ou camisas de força.

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