Existem pensadores modernos que acreditam na humanidade, são positivos e esperançosos como Domenico de Masi e Bertrand Russell em seus ensaios sobre o ócio criativo, tentando mostrar que é possível uma sociedade com pessoas trabalhando menos horas por conta da alta tecnologia de produção que permite o trabalhador produzir muito mais em menos horas de trabalho, de tal forma que poder-se-ia imaginar pessoas lendo mais, produzindo artes, conhecimento e até mesmo entretenimento de qualidade por conta do tempo livre. Eles não consideraram alguns fatores muito fortes que serviriam de obstáculo à ideia do ócio criativo: a perversidade intrínseca, a ganância e o incrível poder da mídia no controle mental. Enfim, a tecnologia só beneficiou a elite dominante e patrões gananciosos que lucram absurdamente com o aumento da produtividade, mantendo os mesmos padrões de escravidão dos trabalhadores desde o início da era industrial.

Esse aumento da produtividade aliado ao aumento da população gerou uma horda de trabalhadores sem ocupação remunerada, o que vemos hoje no Brasil, oficialmente, cerca de treze milhões de desempregados e muitos mais desalentados. O que produz isso? Basta imaginar que os atuais empregados estão com medo de perderem suas posições, o que leva os patrões assumirem a posição de benfeitores, ou seja, os patrões são pessoas benevolentes que deixam os trabalhadores/escravos ganharem algum dinheiro produzindo riqueza para eles. Com isso, patrões, aliados aos governos inescrupulosos, pagam cada vez menos, retirando até direitos trabalhistas duramente conquistados. Enquanto os escravos agradecem os empregos, os patrões usufruem da riqueza gerada por esses escravos. Se não, vejamos alguns exemplos.

Um grande empresário do setor de calçados possui um iate avaliado em R$ 280 milhões, que leva sua filha para as ilhas gregas com o namorado que é filho de artistas (na verdade operários da indústria do entretenimento), enquanto seus funcionários não ganham o suficiente para comprarem os calçados que produzem, do mesmo jeito que os funcionários das indústrias em geral não podem comprar o que produzem, pois recebem salários de miséria. A notícia do iate foi veiculada em diversos programas televisivos de fofocas com um ar de conto de fadas, fazendo o incauto escravo sonhar com iates, champanhes e príncipes e princesas. E mais, os escravos juram que seus patrões são merecedores de tais fortunas, pois são pessoas especiais, amadas pelos deuses e que lutaram muito para conseguirem tornar-se vagabundos sustentados pelo trabalho alheio de escravos.

Exemplos bem mais próximos de nosso dia a dia podem ser encontrados numa profusão alucinante. Até em pequenos mercados em cidades do interior, peões de roça e até estrangeiros em fábricas em grandes cidades é possível encontrar trabalhadores recebendo vinte reais ou menos por dia de trabalho, sem nenhum direito trabalhista, e ainda escutam: “a situação está difícil, se você não quiser, tem quem queira”. Enquanto o próprio patrão vai curtir uma pescaria, se encontrar com amantes e sua mulher vai cuidar do corpinho em academias. Devemos considerar que o que recebem por dia de trabalho não é suficiente para garantir uma alimentação adequada, quanto mais moradia, educação, transporte; nem pensar em lazer. Ócio é uma palavra pecaminosa, a mídia e a sociedade em geral criou a ideia de que tem-se que trabalhar e descansar dormindo para trabalhar mais no dia seguinte. E os escravos acreditam nisso, que quanto mais exaustivo o trabalho, melhor é o trabalhador e ganhará o paraíso depois de uma vida sofrida e uma morte lenta e cruel.

Acontece que com essa mentalidade de que ócio criativo é coisa proibida e pecaminosa, os trabalhadores sem ocupação entram em desespero, ou entram para o crime, ou ficam doentes e morrem. Por isso a saúde pública está cada vez pior, é para deixar mesmo que os pobres desocupados morram, pois não merecem viver, estão atrapalhando a vida daqueles merecedores, que são a elite dominante, a classe média que se acha especial, e os escravos com ocupação útil aos demais. Mas, como parece que os escravos inúteis não estão morrendo na rapidez desejada, os governos subservientes ao capital dominante estão dando uma “pequena” ajuda promovendo e exacerbando as diferenças sociais, com as consequentes polarizações e ódios. Assim, em breve uma guerra civil poderá ocorrer (o presidente, em ato falho, já disse que quer armar a população para o caso de uma guerra civil – basta lembrar que pobre não tem dinheiro para comprar armas), pois escravos famintos saquearão supermercados, roubarão casas de ricos, bloquearão estradas atrapalhando o sagrado direito das elites transitarem enquanto humanos próximos morrem de fome. E o que acontece em caso de rebeliões de escravos? Outros escravos, mas os escravos contratados pelas elites e que também são pobres, usarão da força e violência para conter os famélicos que estão desarmados, daí fica fácil concluir que mais pobres inúteis e que estão consumindo o ar das elites serão mortos.

Com isso, os governos populistas e fascistas resolverão o problema do desemprego: matando os desempregados de fome, doenças ou com uma bala em nome da ordem e do direito à vida das elites merecedoras de toda a atenção dos homens e dos deuses. Que me perdoem De Masi e Russell, mas ócio criativo é um lindo sonho para ser sonhado por pessoas como Howard Woodhouse (Universidade de Saskatchewan) quando curtiu seu ócio num jardim em Loire, França. Ócio criativo não é possível para quem tem fome e tem capatazes do sistema no seu cangote. Só quem tem escravos a seu dispor e um iate de R$ 280 milhões, ou mesmo um mercadinho com escravos ganhando vinte reais pode curtir o ócio destrutivo.

Se esse modelo chamado de neoliberal fosse realmente focado em mercado, em vez de exterminar potenciais consumidores, deveria incentivar o aumento do mercado consumidor, gerando e distribuindo renda para que pudesse ter mais pessoas comprando, gerando mais dinheiro para os próprios capitalistas. Mas, como estamos vendo, o objetivo não é dar espaço para todos, mas aumentar o sentimento de importância da classe dominante. É como a pessoa que se sente poderosa não por ter poder de verdade, mas por ter pessoas sem nada por perto, sentem-se bem apagando as luzes alheias, não acendendo as próprias luzes. Tal como a vergonha que o filho da patroa sentiu ao ver o filho da empregada chegando à universidade pública.

Portanto, é fácil acabar com o desemprego, basta acabar com os desempregados.

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