A decisão do STF de eliminar a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista continua provocando discursos inflamados, tanto nas mídias digitais quanto em jornais e TV, como o debate que ocorreu ontem na TVBrasil, no programa Observatório da Imprensa, onde observou-se que as manifestações ainda são bastante equivocadas ou desprovidas de senso crítico, notadamente no debate on-line.

Com poucas exceções, que tentam discutir os aspectos globais e sistêmicos desta decisão, a maioria dos comentários resume-se à importância do diploma na carreira do jornalista, do ponto de vista individual. Estão mais preocupados como a imagem do profissional diplomado, na garantia de boas condições de trabalho e salários, do que com as consequências dessa medida para a imprensa no seu papel de quarto poder da sociedade contemporânea.

As opiniões passam por aspectos ridículos, como os que sugerem que só os diplomados podem ser éticos por estudarem esta disciplina na faculdade ou que o diploma garante a qualidade da imprensa. Puro sofismo. Desde quando o fato de estudar formalmente uma determinada matéria é garantia de aplicação deste conhecimento? Se fosse assim não teríamos processos por danos morais, e até materiais, por conta de matérias publicadas por jornalistas formados. O caráter não se aprende no banco da escola; neste banco só se aprendem as técnicas que amplificarão os efeitos do caráter, seja bom ou não.

Outros comentários são referentes às comparações com outras profissões, que exigem diploma para seu exercício, como Medicina, Engenharia, Odontologia e Direito. Com exceção do Direito, as outras profissões exigem o completo domínio da técnica para minimizar os riscos diretos ao ser humano, como é óbvio. O domínio da técnica mitiga os riscos, mas não garante a qualidade do trabalho executado, mas isto é outro assunto. De novo, estes comentários são de caráter individual. Por que não compararam com outras profissões que não exigem o diploma, como Física, Matemática ou Biologia?

Em contraposição às manifestações cínicas como “ah, todos agora são jornalistas”, cabe também uma colocação debochada: se todos agora são jornalistas, todos já eram físicos, biólogos, matemáticos, historiadores, programadores de computador, etc, mas nem por isto encontramos novas teorias sobre o universo, novos modelos de genética, novos teoremas ou sistemas mais sofisticados. E também não vi passeata de físicos ou matemáticos para garantirem seus empregos.

Por falar em programadores de computador, será que não podemos comparar o mundo do jornalismo com o mundo dos sistemas digitais? Ambos trabalham com informação, com enfoques diferentes, claro. Não seria o universo dos “jornalistas sem diploma” equivalente ao dos Softwares Livres? Mais democrático, distribuído e de difícil dominação? Não seria a exigência do diploma uma forma da elite dominante reduzir o universo a ser controlado? Sem diploma poderemos ter notícias circulando sem controle da classe dominante, o que pode colocar em risco a estabilidade do atual sistema. Será que os jornalistas de fato preferem um mundo livre, com informações livres ou querem apenas garantir a sua pseudo-liberdade individual, mantendo um bom emprego e servindo aos donos da mídia? De qualquer forma, devemos concordar que uma gaiola confortável, limpinha e cheirosinha dá a sensação de liberdade.

Acima eu exclui o Direito como disciplina que requer, na prática, o diploma. Creio ser muito mais coerente uma campanha para eliminar a necessidade de um representante diplomado junto ao Poder Judiciário que uma campanha pelo diploma do jornalista. Embora o Estado forneça um representante público para aqueles que não podem pagar, devemos concordar que a qualidade deste serviço público deixa muito a desejar. Além de eu achar um absurdo um cidadão comum não poder se dirigir diretamente a um juiz; isto sim uma limitação da liberdade de expressão. Mas isto é muito mais difícil de mudar, pois, como os próprios profissionais do sistema judiciário admitem, a chamada “juizite” é uma doença que acomete os juízes, levando metade a achar que são deuses e a outra metade a ter certeza disto. Mas o diploma de advogado é outro assunto.

Ainda na comparação com outras profissões, que requerem o diploma como é o caso da área de saúde, creio que deveriam exigir também uma certificação após a conclusão do curso, como a OAB faz, bem como que esta certificação fosse periódica para garantir a atualização técnica do profissional. É muito importante garantir que os médicos façam atualizações e comprovem estas atualizações. Além disto, os médicos também estudam ética na faculdade, e fazem juramento, mas isto não impede que os doutores da medicina cobrem por serviços prestados na rede pública de saúde, como todos sabem. Mas isto também é outro assunto.

Outra profissão que requer diploma, não necessariamente de curso superior, é professor. Todo professor deve ter curso, no mínimo, de magistério. Entretanto, uma das mais nobres profissões é exercida por pessoas totalmente despreparadas, sem capacitação, qualificação ou habilitação, em muitas localidades distantes da chamada civilização. Esse profissional é o menos preocupado com sua aparência social ou seu status de diplomado, ele está preocupado em garantir um mínimo de dignidade para as crianças de sua comunidade, da sociedade que ele consegue visualizar, superando obstáculos físicos que provocariam náuseas nos engravatados das redações. Ele deveria servir de exemplo para os jornalistas que pregam liberdade de expressão para a sociedade, mas estão mais preocupados em pendurar o diploma em um escritório com uma secretária bonita na entrada e uma estante cheia de livros não lidos.

Outro argumento usado em favor do diploma se refere ao fato de jornalistas formados serem menos suscetíveis à pressão do poder econômico dos grandes grupos donos dos jornais ou TV. Até agora estou procurando qual a ligação entre estas duas coisas, mas está apenas me parecendo mais uma frase de efeito jogada no ventilador.

Muito mais estranho que um jornalista sem diploma é um vereador, deputado ou senador sem nenhuma qualificação para atuação no legislativo. Legislam sem nenhum conhecimento de leis, provocando o caos no sistema judiciário que tem que tentar entender ou interpretar uma determinada lei, além de legislarem em causa própria, como estamos vendo agora com os atos secretos do Senado. Diga-se de passagem, esta casa pública tem como presidente alguém com um currículo supostamente invejável: é imortal. O buraco é muito mais embaixo e muito mais profundo.

Por fim, o que eu pude constatar nestas discussões é que os jornalistas estão mais preocupados com o diploma no sentido de um canudo para garantir um melhor posicionamento social do que com o papel transformador da imprensa na sociedade. Por isto lançam os mais absurdos argumentos.

Alexandre Guimarães

24/06/2009

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